Cérebro e meditação - Resenha crítica - Matthieu Ricard
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Cérebro e meditação - resenha crítica

Cérebro e meditação Resenha crítica Inicie seu teste gratuito
Espiritualidade & Mindfulness

Este microbook é uma resenha crítica da obra: Cerveau & Méditation: dialogue entre le bouddhisme et les neurosciences.

Disponível para: Leitura online, leitura nos nossos aplicativos móveis para iPhone/Android e envio em PDF/EPUB/MOBI para o Amazon Kindle.

ISBN: 978-85-7881-503-5

Editora: Alaúde

Resenha crítica

A meditação e o cérebro

O budismo funciona como uma ciência da mente. É a jornada da confusão à sabedoria e do sofrimento à liberdade. Por isso, envolve um exame empírico da mente, como qualquer ciência. Há 2500 anos, o budismo faz uma minuciosa pesquisa sobre a mente, trazendo uma valiosa bagagem de resultados experimentais. 

Mesmo as complexas construções da psicologia moderna não substituem os dois milênios de empirismo budista. Meditar é um treino da mente central no budismo que parte da premissa de melhorar as aptidões mentais como os exercícios físicos aumentam as aptidões físicas. 

Embora passemos muito tempo investindo em melhorar as condições exteriores de vida, é no mundo interior que o bem-estar e o sofrimento são traduzidos. Parte da qualidade de vida pode ser mudada simplesmente ao ver as coisas de outra forma. Essa transformação é o que ganha o nome de “meditação”. 

O treino da mente é útil para lidar com as ideias negativas e com a ruminação. Ao meditar, é possível deixar os pensamentos se dissiparem em vez de deixá-los invadir a mente. O mesmo vale para emoções desagradáveis, como a raiva. Em vez de nos contagiarmos com a raiva, precisamos apenas observá-la. 

Aqui, Matthieu usa como metáfora o fogo. Se pararmos de alimentar uma fogueira, ela se extingue. Para o monge, a raiva não existe por si mesma. O grande objetivo da meditação não é abandonar as emoções, mas deixar de se escravizar por elas. Wolf acredita que o momento ideal para começar a meditar é na infância, onde o cérebro é mais maleável e comporta neurologicamente novos aprendizados. 

O neurocientista acredita que o treino da mente deveria ser ensinado nas escolas. Matthieu concorda, mas defende que a capacidade de aprendizagem humana não pode ser subestimada. O ponto central é nunca abrir mão do nosso instinto de autoaperfeiçoamento. Para o monge, devemos nos transformar a fim de transformar o mundo. 

Os processos inconscientes e as emoções 

Para o budismo, o inconsciente se resume a uma série de nuvens de confusão mental que nos impedem de ver a natureza da mente. Precisamos nos livrar dele para chegar na “presença desperta”. Já Wolf, acredita que o inconsciente não é um problema e pensa de forma diferente dos budistas. 

Para ele, não se trata de nuvens que obscurecem a luz da presença desperta, mas de automatismos neurológicos do cérebro. Muitas vezes, tomamos decisões com base em processos inconscientes automáticos, chamados de “pensamento rápido”. Ainda assim, Matthieu acredita que não precisamos nos preocupar com o que acontece no inconsciente. 

Para o monge, podemos nos ligar à presença desperta por meio da meditação e deixar que as emoções perturbadoras se dissolvam por conta. Se a psicanálise acredita que o ideal é buscar as profundezas do inconsciente, o budismo aposta em se livrar dos pensamentos problemáticos assim que eles surgem.

Permanecer com clareza na consciência presente tem o potencial de nos livrar do sofrimento e trazer à tona a liberdade interior. Só que Matthieu também defende que existe proximidade entre os métodos da psicologia cognitiva contemporânea e o contemplativos budistas. 

O monge conta como foi sua conversa com Aaron Beck, o fundador da terapia cognitiva-comportamental, e como notaram a existência de muitos pontos convergentes. O foco do método cognitivo-comportamental é dar consciência sobre construções mentais irrealistas, algo também atingível por meio do treinamento da mente budista. 

Matthieu ainda defende que o estado comum da mente é confuso e cheio de pensamentos problemáticos. O objetivo dos contemplativos não é calar a mente, e sim levá-la à lucidez. Ainda assim, Wolf lembra que existem outras formas de fazer isso e que cada cultura tem a sua. 

Existem inúmeros métodos terapêuticos e o budismo não é a única saída. Matthieu concorda, só que acredita que as sociedades devem buscar sempre a evolução. Para ele, passa pela evolução dos indivíduos, apoiada no treinamento da mente. 

Como sabemos o que sabemos? 

Em certo sentido, não podemos entrar em contato com a realidade como ela de fato é. Apenas conhecemos o que interpretamos dela. Esse é um ponto em comum entre o neurocientista e o monge. Wolf acredita que dispomos de duas fontes substanciais de conhecimento. 

A primeira é a experiência subjetiva interna e a segunda é a ciência. As duas são ainda restritas pelas limitações do cérebro. Matthieu endossa esse ponto de vista e acredita que existe uma distância considerável entre a aparência e a essência das coisas. 

Wolf ainda cita fenômenos da física quântica entre os quais os mecanismos cerebrais são incapazes de compreender intuitivamente. As funções cognitivas não são capazes de dar conta do assunto porque o cérebro não foi adaptado pela evolução tendo esse aspecto como importante.

Matthieu afirma que nossas limitações cerebrais ajudam a lembrar que a realidade é efêmera. A partir daí, é possível trabalhar pela realização pessoal. Com a meditação, a percepção do mundo pode ser remodelada. Se o modelo interior de mundo estiver em sintonia com o que a realidade de fato é, a tendência é minimizar o sofrimento. 

O impulso interior para o aperfeiçoamento pessoal e a mudança de percepção costumam se originar do desejo de se livrar do sofrimento. No budismo, isso pode envolver o apoio de um mentor espiritual. Assim, o conhecimento de investigação mental de 2500 anos pode ajudar a observar corretamente o mundo com a mente purificada. 

A partir daí, fica mais fácil se livrar dos apegos emocionais e ver a realidade como intangível. O resultado é a construção de outros modelos mentais do mundo para mudar a percepção da realidade. 

Na visão de Matthieu, as novas concepções da realidade provocadas pela meditação, se compartilhadas por um número alto de pessoas, podem mudar o mundo para melhor. Isso depende de se livrar de interpretações enganosas e de elaboração mental. O resultado é um profundo altruísmo e compassividade. 

O exame do ego 

Já passamos da metade deste microbook e a conversa entre monge e neurocientista nos faz explorar o ego. Wolf defende que não existe uma área do cérebro que assume o papel central. 

Matthieu também desconfia da ideia unitária do ego e defende a ideia budista de que a unidade do ser é uma ilusão que dá origem a sentimentos aflitivos. Para o monge, a força de si não é fruto de um ego exaltado, e sim da liberdade interior. 

O “eu” de cada um é a história dinâmica e difusa do próprio fluxo de consciência. A percepção em tempo real e as lembranças do que um dia já fomos compõem o que somos. Na visão budista, o apego à ideia do eu unitário leva ao sofrimento. Afinal, é dela que vem a ganância, a raiva e o ciúme. 

Wolf acredita que a concepção ocidental do ego unitário, de fato, pode estar errada. A visão original dos filósofos ocidentais de que existiria um centro específico no cérebro que representaria o eu não é respaldada pela ciência. Os dados neurológicos mostram uma série de conjuntos cerebrais que funcionam de forma paralela, sem uma origem definida. 

Isso significa que o ego não parece ter um lugar no cérebro. Embora a intuição nos faça acreditar que todas as nossas ideias vêm de um mesmo eu, isso não é respaldado cientificamente, o que deixa os pensadores ocidentais perplexos e leva aos debates filosófico sobre a natureza da mente e seu respaldo em algo tangível. 

O budismo se propõe a resolver o mistério. Para Matthieu, em vez de perceber o ego como um regente unitário, deveríamos percebê-lo como um fluxo variável de experiências dinâmicas. É uma visão mais realista e traz uma boa dose de liberdade interior. No fim, o budismo vê o ego como um amante por quem o sofrimento se atrai. 

Livre-arbítrio, responsabilidade e justiça 

O debate sobre a existência do livre-arbítrio cresce quando acreditamos que todas as nossas decisões são fruto de uma consciência parcial. Para Wolf, o livre-arbítrio pode ser relativizado porque os processos mentais são fruto de processos neuronais e não o inverso. A neurociência é categórica nesse sentido. 

Nossos fenômenos mentais têm origem nos vários lugares do cérebro. Essa é a razão pela qual as lesões cerebrais causam danos nas funções mentais. O processo por trás de uma decisão envolve várias áreas de ativação neural e condições cerebrais. Isso faz com que as decisões e o livre-arbítrio estejam, ao menos em parte, condicionados ao estado do cérebro. 

Sua origem pode envolver não só ideias, como também a estrutura genética. O problema se dificulta ainda mais porque a decisão não se torna consciente imediatamente e as pessoas podem precisar de até 15 segundos para entender o que fizeram. A motivação de uma decisão pode ser inconsciente. 

Matthieu lembra que o livre-arbítrio se relaciona com o determinismo filosófico, a ideia de que os acontecimentos ocorrem por causas previamente existentes. Se tudo acontece por uma causa, significa que não temos livre-arbítrio, porque nossas histórias já estão escritas. 

Só que o monge rejeita o determinismo e defende o conceito budista de “interdependência”, em que existe uma rede infinita de causalidade. O livre-arbítrio pode existir dentro dessa rede. Matthieu ainda resgata a ideia de que é impossível prever as ações que nós mesmos iremos fazer. Isso acontece porque a tentativa de previsão se torna uma das causas da ação. 

O mesmo vale para os estados mentais. Quando você toma consciência do instante presente, por exemplo, ele já está no passado. O budismo define que as ações são definidas pela ignorância e pelas antigas tendências habituais. O livre-arbítrio verdadeiro só pode ser alcançado, nesse caso, ao atingir o pleno despertar. 

A natureza da consciência

A consciência é um fenômeno ligado à experiência que gera dúvidas sobre sua origem. Os contemplativos veem a consciência em primeira pessoa, enquanto os neurocientistas acham que é simplesmente fruto de interações neuronais. Matthieu explica que falar da consciência em terceira pessoa é como falar sobre cores para um cego. 

É possível gastar horas tentando descrever o vermelho, mas só sabe seu significado de fato quem o vê. O mesmo vale para a consciência. Ela só pode ser experimentada em primeira pessoa, de forma subjetiva por quem a tem. Se a consciência é provocada por neurônios, não podemos vê-los. 

Isso significa que a consciência em terceira pessoa é diferente da em primeira pessoa. Por isso, ainda é um mistério que dispensa explicações coerentes e definitivas. Embora seja possível conferir processos neuronais e moleculares, Wolf conta que em nenhum momento dá para ver algo que se assemelha a uma consciência apenas observando o cérebro. 

As ativações neurais aparecem para as ações motoras, como escrever ou comer. Mas é difícil descobrir a origem do que o cérebro experimenta como consciência. A neurociência ainda não descobriu quais neurônios, descargas elétricas e químicas geram sua percepção. 

No entanto, é possível influenciar os neurônios de forma rudimentar, a partir de impulsos eletromagnéticos. Isso vai de encontro com a ideia de que a consciência é completamente deslocada da matéria e levanta perguntas sobre a ideia religiosa de uma alma puramente imaterial e distante. O neurocientista acredita que, se existe uma realidade imaterial, é a dos conceitos abstratos e da imaginação. 

Na prática, o mundo espiritual não existiria. Matthieu discorda e acha que essa visão é fruto do pensamento ocidental excessivamente materialista. O monge lembra que a física quântica vê as partículas como “eventos” em vez de “coisas”. Isso significa que os cientistas passam longe de bater o martelo sobre esse materialismo puro do mundo. 

Notas finais

Funcionamento da consciência, natureza da realidade e construção do ego estão entre as questões que podem ser debatidas à luz dos 2500 anos de budismo confrontados pela moderna neurociência. Matthieu Ricard e Wolf Singer mergulham em um enriquecedor e filosófico debate que representa o encontro de duas correntes de pensamento distintas.

Dica do 12min

O budismo pode trazer uma boa dose de paz mental. Mas não é preciso ir a um templo no Nepal, como Matthieu Ricard. Você pode aplicar alguns princípios na sua casa, no trânsito ou no supermercado. A Monja Coen conta como fazer isso no livro “Aprenda a viver o agora”, disponível também aqui no 12min.

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Quem escreveu o livro?

Nascido em 1946, Matthieu Ricard é um monge budista, um autor, tradutor e fotógrafo. Ele viveu, estudou e trabalhou na região do Himalaia há mais de quarenta years.The filho de filósofo francês Jean-François Revel e artista Yahne Le Toumelin, Matthieu cresceu entre personalidades e ideias dos cí... (Leia mais)

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